Deixe um comentário

ENTREVISTA COM EDUARDO CAMPOS – PARTE II

EDUARDO CAMPOS

A propósito, se o sr. tivesse que escolher um ou dois itens, no máximo, dos sistema político partidário para alterá-lo, se o sr. tivesse poder para fazer isso, quais seriam esses dois pontos para serem alterados, principais?
Eu acho que a primeira medida é mandato de cinco anos sem reeleição e coincidência dos mandatos das eleições. São duas medidas que ajudam a abrir um outro padrão político na representação congressual para discutir tudo mais em profundidade do que tem que ser feito.

Posso ler essa proposta como ter menos eleições no Brasil?
Não, é ter mais eleições no Brasil.

A gente tem eleição a cada dois anos, teríamos só a cada cinco.
Eu acho que a gente precisa ter eleições onde o Brasil inteiro fale, onde não tenha a visão eleitoralizada da política que hoje tem, de cada dois anos ter eleição, termina que quem paga essa conta é a população porque isso…

Nos países desenvolvidos têm eleição todo ano?
Isso cria uma série de dificuldade no pacto federativo, da cooperação entre Estados e municípios, entre União e Estados em ano que tem eleição, ou seja, quatro anos pode ser pouco, cinco seria o suficiente, acaba o instituto da reeleição, governo fazendo tudo em função da eleição. Você está vendo agora, o Brasil está aí com problema de energia e as pessoas escondendo o problema por que tem eleição. Um problema na inflação, um problema na Petrobras, um problema em toda a parte e se escondendo sem se tomar as medidas que têm que ser tomadas por conta de questão de reeleição.

Quando não tiver reeleição, como já não teve no Brasil, o governador de Estado, que teve eleição de governador de Estado desde 1982, não havia reeleição até 1998. O governador de Estado, que não podia ser reeleito, também escondia tudo, em muitos casos, para fazer o seu sucessor. Aqui, em São Paulo, temos um caso clássico com Orestes Quércia, que elegeu Luiz Antônio Fleury Filho e, à época, tem uma declaração atribuída a Quércia que era a seguinte: Quebrei o Banespa, que era o banco estatal aqui de São Paulo, mas elegi meu sucessor. O fato de não ter a reeleição vai impedir isso?
Eu acho que melhora muito.

Será? O sr. tem certeza? É convicto disso?
Sou convicto. Convicto de que é bom para o Brasil ter eleições coincidentes no mesmo ano e o fim da reeleição e mandato de cinco anos.

O sr. mencionou, em uma viagem ao Maranhão, que em seu eventual governo, se for eleito presidente, José Sarney estaria na oposição. José Sarney e sua família têm muitos filiados ao PMDB, sua filha Roseana… O sr. governaria sem o PMDB ou com uma parte do PMDB, eventualmente, no seu governo?
Tem gente no PMDB que tem uma história ao nosso lado, como, por exemplo, Pedro Simon, é um PMDB que honra qualquer governo a participação dele. O senador Jarbas Vasconcelos, o senador como Luis Henrique da Silveira, como tanto outros pemedebistas históricos, do velho MDB que ajudou a resistência democrática, que tem uma posição de decência, de comprometimento com a política em outros termos, essas pessoas deverão nos ajudar.

<p

style=”color:#000000;”>O sr. governaria com quadros políticos e com pessoas de partidos e não necessariamente com os partidos?
Não, eu respeito os partidos, eu sou dirigente de um partido. Eu tenho quatro partidos apoiando a nossa proposta e nós vamos recebendo já, desde já, a opinião de pessoas que são de outros partidos e que amanhã poderão até ser dirigentes de seus partidos, mas enquanto não forem vão exercer a sua cidadania, seu exercício do mandato. Vão nos ajudar na construção de um momento, Fernando, que é um momento de mudança muito expressiva na vida pública. Nós não estamos em um momento singelo da vida pública brasileira e os partidos não estão representando exatamente o que a sociedade pensa, nesse momento. Tanto é que a sociedade foi às ruas e não levou nenhum partido na frente.

É que temos aí uma disjuntiva. Eu entendo tudo que o sr. está falando, as pesquisas, o Datafolha capta esse sentimento de mudança, sentimento de as pessoas estarem refratárias aos partidos políticos tradicionais. Ainda assim, um presidente da República será eleito no Brasil, em outubro, tomará posse no dia 1º de janeiro e começará a governar e terá que ter ajuda do Congresso e o Congresso é composto por deputados e senadores que pertencem a partidos. O que eu estou perguntando para o sr. é, o sr. vai procurar, digamos, se for eleito, como qualquer outro, alguns partidos para ajudá-lo no governo, as suas propostas, aí o sr. vai ter que discutir com a direção desses partidos, digamos, o PMDB, que é um partido grande, ou o Democratas, que seja, alguns partidos. O sr. vai falar com o PMDB e vai dizer “olha, vamos fazer um acordo programático assim assado, mas eu não quero dar cargos para a família Sarney, não quero isso etc.”, é isso que o sr. está dizendo?
Não, estou dizendo o seguinte, que nós vamos tirar da base do governo, depois de 30 anos, aquelas mesmas figurinhas que estão lá e que precisam ir para a oposição para surgir uma nova prática política no Brasil, vai surgir um novo quadro político que vem das urnas. Não imagine que as urnas, em 2014, não vão fazer uma parte da limpeza que eu estou falando aqui. A base congressual vai ser alterada pelo voto popular, um terço do Senado e 100% da Câmara vão ao voto, agora em outubro. Nós vamos ter um novo quadro. Uma vitória nossa vai possibilitar um novo arranjo político, inclusive, eu acho até, partidário no Brasil, e nós precisamos fazer uma grande frente política em torno de um ideário. O que nós queremos do Brasil? Como é que a gente vai fazer a educação nesse país mudar a vida das pessoas? Escola integral, creche de qualidade, um esforço para que a gente possa ter crescimento sustentando de 4%, um olhar para a segurança, que é um tema gravíssimo, fazendo o velho debate político sobre pedaços do Estado sendo distribuído, com partidos com velhas raposas que já tiveram do Brasil tudo que queriam ter do Brasil?

Agora, captei na sua fala “um novo quadro partidário”. O sr. enxerga, inclusive, a possibilidade de haver alguma grande fusão de partidos para criar uma nova sigla, a partir do ano que vem?
Eu acho que a gente vai ter que ter uma frente política, respeitando, inclusive, os partidos existentes. É natural que surja algum movimento de fusão partidária e que possibilite uma base. Não precisamos ter 400 deputados, não, e nós…

Precisa ter quantos?
Precisamos ter uma base que nos dê a maioria possibilidade de discutir, inclusive, composição…

Aí é 257 na Câmara.
É isso. Ter uma maioria e ter a possibilidade…

Isso seria o quê? Uma frente ou um grande partido com esse número?
Uma frente, ter partido e ter, sobretudo, a capacidade do diálogo. Se nós apresentarmos ao Congresso Nacional, por exemplo, para designar para as agências reguladoras os diretores não mais na indicação política, como se faz hoje, mas através de mecanismos de busca, como headhunter, e comitê de busca, para escolher esses diretores. Uma proposta dessa tem, eu acho que, 100% de aprovação na opinião pública. Por que o Congresso vai ficar contra isso?

Essa sua proposta, no caso para as agências reguladoras, fazer uma contratação profissional dos diretores?
Profissional dos diretores, por mecanismo público, discrição, transparente, banca examinadora, ou seja, é uma mudança de era, é necessário que alguém se apresente à sociedade brasileira compreendendo o que a sociedade disse nas ruas, está dizendo nas redes. É hora de dar um salto. Teve uma hora que as pessoas chegaram à conclusão “não dá mais para ficar com generais”, teve uma hora que as pessoas disseram “não dá mais para ficar com essa inflação”, teve uma hora que a população disse “olha, não dá para não cuidar da população pobre”. Hoje, as pessoas estão dizendo “não dá mais para ficar com essa velha política”. Eu e a Marina, nós estamos nos apresentando como um caminho seguro para que as pessoas possam perceber que há possibilidade de governar o Brasil sem esses fisiológicos, sem os patrimonialistas. Nós temos o dever de consciência de tentar fazer isso.

Mas deixa eu perguntar para o sr. O sr. propõe isso: profissionalizar as agências reguladoras, um sistema profissional de capitação de nomes para a escolha dos diretores das agências. Aí a opinião pública apoia, como o sr. diz, digamos. Aí o Congresso fala “não, nós não queremos”. E aí? E a população não vai para frente do Congresso fazer uma passeata a favor das agências reguladoras.
Você já está respondendo pelo Congresso.

Mas é que o Congresso já fez isso várias vezes sobre boas propostas…
Não, mas…

E a população não foi protestar.
Não, mas você está vivendo em um outro momento, em um outro momento social.

O sr. acha que a população vai protestar?
Eu acho que sim. Eu acho que a população vai estar nas redes sociais.

O sr. vai trabalhar para que a população proteste em frente ao Congresso?
Eu vou trabalhar para explicitar ao Congresso Nacional de que nós estamos com a sociedade cada vez mais exigente, os parlamentares que chegarem ao Congresso vão ter vindo de um debate com a sociedade, um debate com a sociedade que está cada vez mais irrequieta, impaciente, vendo que está pagando tributos cada vez em maior quantidade, que os serviços públicos não estão de maneira adequada. E se um governo, legitimamente constituído, tem a coragem de propor isso, a população vai apoiar e eu tenho certeza que o Congresso também. Tenho certeza. Eu vivi no Congresso, fui deputado estadual, fui deputado federal três vezes, a Marina foi senadora. Nós sabemos que o Congresso, na hora em que sente que o governo não tem dois pesos e duas medidas, o Congresso acho que não apoiaria se eu dissesse “ninguém indica mais” e meu partido, por de baixo do pano, estivesse indicando. Mas se eu estou propondo uma regra que é boa, que é saudável, que é transparente, que é republicana, na expressão da palavra, eu acho que a gente vai ter êxito

Sobre indicações, sobre patrimonialismo. Seus adversários o criticam pelo fato de sua mãe ter sido indicada, com o seu apoio, para ser ministra do Tribunal de Contas da União. Foi uma boa decisão a indicação da sua mãe, Ana Arraes, para o Tribunal de Contas da União?
Quem indicou Ana, quem é Ana Arraes? Ana Arraes é uma advogada, servidora pública por concurso, que ao longo da vida, desde muito cedo, teve que trabalhar. Ficou órfã aos 13 anos de idade, criou oito irmãos, ajudou a criar outros sete irmãos. Foi perseguida pelo golpe, pelo regime de 1964, que nunca teve um emprego público que não fosse por concurso, que ela teve e entrou na Justiça e que nunca esteve na política. Na eleição que eu disputei para governo em 2006, eu tinha 5%, nós não tínhamos nenhuma máquina política, estava na oposição no Estado e ela foi lançada deputada federal pelo movimento de mulheres do partido. Ganhou a eleição, foi para o Congresso, fez um mandato respeitado, está lá consignado o mandato que ela fez. Foi reeleita com o dobro dos votos, em 2010. Houve uma vaga no Tribunal de Contas da União, à vaga caberia indicação da Câmara, um conjunto de parlamentares, inclusive, a bancada feminina, a bancada do partido dela e uma série de pessoas preocupadas em não ir ao Tribunal de Contas um quadro que não respeitasse aquela instituição tão importante para fiscalizar os gastos públicos, no Brasil, pensou no nome dela, exatamente, porque não tinha nenhuma mulher no Tribunal de Contas da União e ela tinha uma ampla relação no Congresso Nacional. Ela tinha, inclusive, os predicados exigidos pela Constituição, inscreveram ela. Eu como dirigente do partido a que ela é filiada, eu iria votar em quem? Contra ela? Eu não votei porque eu não tinha voto, mas algumas pessoas votaram nela, inclusive porque não eram nem do conjunto político nosso, mas pela atitude, pela correção. Eu acho que ela tem honrado esse trabalho no Tribunal de Contas da União.

Então é errado falar em patrimonialismo, ou prática não republicana no caso da indicação da sua mãe? O sr. refuta isso?
Qual é o patrimonialismo que há?

Eu estou apenas reproduzindo as críticas que fazem do sr.
Eu estou falando o seguinte: ela não pode ser cassada da condição de exercer uma função porque ela é minha mãe. Ela já foi cassada em outros tempos, quando faltou democracia, porque era filha de alguém, mesmo sendo uma adolescente. Ela não pode perder o direito de disputar, e disputou no voto, porque é a minha mãe. Aí fica um negócio completamente desequilibrado.

Programas sociais. Bolsa Família. O sr. disse que é necessário ampliar um pouco o número de pessoas que são, hoje, beneficiarias do Bolsa Família. Até quanto deve ser o número, no seu entender, dos beneficiados aí pelo Bolsa Família? Quanto tempo esse programa deverá existir até que exista uma porta de saída para que isso não seja mais necessário?
O Bolsa Família, ele se soma a um conjunto de outras políticas que vêm desde a Constituição Federal. A Constituição Federal garantiu salário mínimo para o mundo rural integral, porque antes trabalhador rural que não havia feito previdência era aposentado pelo Funrural com meio salário mínimo. A lei orgânica da assistência social garantiu benefício continuado, por exemplo, para famílias que tenham deficientes em sua casa, para um idoso que não contribuiu, e veio a Bolsa Família como um aperfeiçoamento das políticas que iniciadas no segundo governo do Fernando Henrique e depois o Lula tentou o Fome Zero e consolidou o Bolsa Família, um programa que tem 14 milhões de pessoas hoje que são atendidas pelo Bolsa Família. Neste momento, existe um grande esforço de fazer um terrorismo eleitoral em cima de desse público. Há uma estratégia por parte do governo, de um lado desanimar os mais jovens a votar, transformar em indignação, em voto branco e nulo, e do outro lado um terrorismo, medo em cima daqueles que estão recebendo o Bolsa Família, dizendo que se eles perderem, como eu acho que vão perder, acaba o Bolsa Família. Ora, é preciso que se deixe claro, ninguém vai acabar com o Bolsa Família nesse país. O Bolsa Família veio porque o Brasil teve um modelo de desenvolvimento que excluiu milhões de brasileiros. Agora, nós precisamos garantir, que tem uma porção de pessoas, foi isso que eu falei, tem 25 milhões de pessoas no cadastro único e tem 14 milhões de pessoas atendidas. Entre 14 e 25 [milhões], tem um número, que não se sabe exatamente qual é esse número de pessoas, que poderiam e deveriam e têm direito a estar no Bolsa Família e que precisam ser incorporados. E há um outro direito, que é comum a todos do Bolsa Família, o primeiro: é ter o valor reajustado do Bolsa Família para dar para comprar o que dava antes, porque a inflação que voltou está tirando a possibilidade de as pessoas que têm o Bolsa Família comprar as mesmas coisas que compravam antes. E o segundo, e fundamental, é que além do Bolsa Família, essas famílias recebam as outras políticas públicas que estão faltando. As mães do Bolsa Família percebem que as escolas que suas filhas e seus filhos vão estudar não são escolas ainda adequadas. E aí o que pode acontecer? Se você só dá o Bolsa Família e não dá escola, não dá saúde, não dá o saneamento, aquela filha do Bolsa Família hoje, vai ser a mãe do Bolsa Família amanhã, que é o ciclo que a gente não quer ver no Brasil.

Qual é a estimativa de necessidade de reajuste no valor médio do Bolsa Família?
Eu acho que é recompor o poder de compra, ter a possibilidade de recompor…

Tem algum percentual?
Ter isso como uma regra geral, mas não tenho o percentual ainda. Ter o compromisso de poder reajustar e dar as condições do Bolsa Família a ser a complementação que ele pretendia ser lá na sua origem.

Teria que haver, enfim, uma recomposição já no início do ano que vem, o sr. diz, já do Bolsa Família?
Isso vai constar do nosso programa diante da situação macroeconômica do país, mas ter um compromisso, exatamente não permitir como hoje. As pessoas estão percebendo, as pessoas que têm uma complementação de renda pelo Bolsa Família estão percebendo que cada vez que vão ao supermercado estão comprando menos coisa.

O sr. tem algum reparo para fazer ao programa Mais Médicos ou acha esse um bom programa do governo federal?
Eu acho que o Brasil ficou duas décadas assistindo ao fechamento de vagas nas universidades federais de medicina. Esse é fato. Sobre o silêncio geral da sociedade brasileira. Esse final de semana, eu estive na região Norte, estive em Manaus, por coincidência, falando com um médico lá, ele me dava conta que de que há trinta anos, quando ele tinha se formado, em Manaus tinha mais vaga na Universidade Federal do Amazonas para médicos do que havia naquele instante. Ou seja, isso gerou o quê? Gerou um vazio, gerou um déficit enorme. Nós não podemos abdicar da possibilidade de formar os médicos que o Brasil precisa. Nós precisamos formar os médicos que o Brasil precisa. E precisamos ter um olhar em uma área que o Mais Médicos ainda não atingiu, que é a média complexidade. Com a ação básica que está sendo feito por esses médicos que vieram de fora, ele vai descobrir uma porção de pessoas que precisam fazer exames de média complexidade, procedimentos de média complexidade. E aí está o grande gargalo do SUS, é a estruturação da média complexidade e de áreas de cuidado como, por exemplo, área materna infantil. Nós temos um déficit de maternidade no Brasil a fora, um déficit de formação de pediatra que está chegando ao limite de a gente assistir Estados ricos a mulheres tendo filho nas calçadas.

Mas o Mais Médicos, o sr. manteria o programa se eleito?
Eu acho que a gente não tem como desmontar o programa se ele for dando certo. A gente tem que analisar o impacto do programa, verificar exatamente qual é o impacto dele para a população.

No melhor do seu juízo, tem dado certo?
Até agora, eu vejo, em alguns lugares, elogio, em outros, preocupação. Eu não tenho uma análise técnica, aperfeiçoada, do resultado do programa. Se o programa tiver resultado nós vamos efetivamente aperfeiçoá-lo e mantê-lo. Não tem por que agora retirar esses médicos dessas comunidades se eles estiverem atendendo bem, cumprindo o papel. Agora, eu não posso imaginar que isso seja a solução para o Sistema Único de Saúde, onde falta governança, melhor financiamento.

É um programa de transição, é isso?
Não, eu acho que é uma parte que tentou ser vendido pelo governo como uma ação de saúde porque o governo fez muito pouco na área da saúde. A verdade, Fernando, é que em 1988 a União colocava 85% dos recursos na saúde pública do Brasil e hoje a União coloca 45%. E como na pesquisa de opinião publica a saúde aparece em primeiro lugar, a União criou um programa, se valendo da situação que há uma carência, efetivamente, de médicos, criou um programa, faz uma propaganda enorme desse programa, como se esse programa fosse resolver todos os problemas. E a gente sabe que esse programa não vai resolver todos os problemas, que a questão da saúde exige muito mais trabalho do que importar médicos.

A construção da refinaria Abreu e Lima, no complexo portuário de Suape, em Pernambuco, está na mira do TCU e também pode vir a ser alvo de uma CPI no Congresso. Qual é, se houve, o envolvimento da sua gestão, no governo de Pernambuco, com a construção de Abreu e Lima?
A construção da refinaria foi feita diretamente pela Petrobras. A contratação das obras, o gerenciamento das obras. O envolvimento do Estado foi doar o terreno, uma parte foi doada ainda no governo que me antecedeu, a outra parte que foi necessária já no nosso governo. Nós também recebemos da Petrobras o adiantamento de pagamentos de taxas portuárias para que o porto fizesse com os seus recursos, mais esse adiantamento e alguns recursos que o Estado repassou para o porto, nós fizemos obras de acesso viário, um píer e algumas obras de infraestrutura que não estão exatamente nos contratos da Petrobras, que foram contratos feitos diretamente pelo Estado que devem e estão sendo analisados por todos os órgãos de controle.

O sr. declarou recentemente ser a favor de manter as regras atuais sobre a prática do aborto, é isso mesmo?
É isso mesmo. Já temos regras, temos que cumprir as regras.

E se, durante um eventual governo seu, o Congresso Nacional aprovasse uma lei que desse, de maneira mais ampla, à mulher a decisão final sobre praticar o aborto na circunstância que ela julgar correto. Como é que o sr. reagiria?
Eu acho que eu tenho uma posição muito clara de separar o que são as minhas posições pessoais, enquanto cidadão, cristão, do que é o Estado. Eu acho que essas coisas devem ser separadas. Hoje já, na legislação atual, já existem algumas situações que são permitidos, em não todas, mas que são permitidos, e qualquer dirigente que já foi prefeito de um município que tem uma maternidade, já foi governador ou presidente da República já viu essa legislação ser cumprida, em algumas circunstâncias, por determinação legal.

Agora, se o Congresso tomasse a iniciativa de aprovar uma lei que ampliasse as situações nas quais o aborto seria considerado legal, o sr. faria carga contra o Congresso.
Sinceramente, eu não acredito que o Congresso vá tratar desse tema, nem que passe no Congresso.

Mas se tratasse?
Se tratar,vamos ver exatamente qual é a natureza dessa mudança e observar ela.

Mas o sr. daí trabalharia politicamente para manter as regras atuais, é isso? Mesmo que o Congresso tomasse a iniciativa?
Não, a depender das mudanças, se for um aperfeiçoamento, algo que não seja tão complexo, não veria nenhum tipo de problema.

O casamento entre pessoas do mesmo sexo, o casamento gay, hoje, no Brasil, é permitido. O sr. acha essa uma boa regra?
Eu acho que a gente precisa… A união civil, o casamento na terminologia religiosa, e a união civil, como um casamento civil de heterossexuais, é um direito já conferido pela Suprema Corte do país, como o direito à aposentadoria, e nós não podemos efetivamente, por um dever de cumprir a Constituição Federal, discriminar as pessoas por orientação sexual ou por relação homoafetiva. Nós não podemos ter esse tipo de discriminação. Veja, nem o papa, nem o papa Francisco, tratando desse tema, já trata com outra compreensão.

Casais gays têm condições de adotar e educar uma criança?
Precisa que tenha uma avaliação psicológica, porque tem casais heterossexuais que não podem criar nem seus filhos, quanto mais adotar. Eu acho que quem pode fazer essa avaliação são especialistas, psicólogos, terapeutas, médicos.

Mas o sr. não se opõe?
Não, eu acho que tem que ter é o parecer de pessoas que vão analisar efetivamente, tecnicamente, se aquelas pessoas… Você pode ter uma pessoa, e não um casal, adotando uma criança. Não precisa ser um casal para adotar uma criança. E muitas vezes você tem os pais biológicos que não têm equilíbrio para adotar as crianças e a Justiça toma a guarda para colocar um num abrigo ou numa outra família. Esse é um assunto que não deve ser visto na base do “eu acho” ou da opinião vazia, distante ou preconceituosa. Quando se trata da vida de uma criança, que não pode ser criada… Eu falo muito à vontade, pois sou pai de cinco filhos. Que não pode ser criado pela sua família, pela sua mãe natural, pelo seu pai natural, você já está tratando de uma circunstância bem especial. Se ele vai para uma outra família, uma família tradicional, para uma pessoa, uma família homoafetiva, é preciso que haja uma análise muito complexa de uma equipe multidisciplinar, como exige a Justiça brasileira, para que você não condene essa criança a uma outra situação de constrangimento.

Mas, uma vez especialistas, ou um conselho tutelar da criança e do adolescente, aprovando, o sr. acha que não há problema?
Eu acho que o importante é que a criança vá para um lugar onde ela seja amada, cuidada e respeitada.

Independentemente de ser um casal homoafetivo ou não?
Ou até ser um casal. Ela pode ser entregue a uma mulher que não tem um marido, ou um homem que não tenha uma mulher, e ser criada com a maior decência, com o maior respeito, e com muito amor, que é o importante para criar uma pessoa.

É positivo que casais gays tenham filhos por meio de inseminação artificial?
Eu acho que esse é um direito que o cidadão tem. O direito à reprodução é um direito que existe. Eu acho que é possível… Existem casos desses no mundo, uma coisa que… E acho que esses temas não são temas de Estado, são temas das pessoas, da liberdade, dos direitos humanos. Eu acho que não são temas… Às vezes eles ganham relevo nas eleições para tentar dividir as pessoas por questões religiosas, então eu acho isso, sinceramente, uma coisa muito ultrapassada, uma coisa antiga, acho que a gente precisa discutir, nesta eleição, é o Brasil, o Brasil que nós queremos. Qual o propósito que a gente… Como é que a gente vai legar aos brasileiros de todas as orientações um Brasil crescendo, um Brasil cuidando da educação, da mobilidade que está ruim, da insegurança, e não buscando temas que por ventura possam dividir o Brasil de uma forma que não é legal.

Educação, o sr. mencionou. O sr. é a favor da inclusão de crianças com deficiência em escolas regulares?
Sou a favor sim, sou inclusive… Eu tenho um filho, meu caçula, Miguel, nasceu com Síndrome de Down, então hoje eu conheço mais ainda essa realidade. Se eu já conhecia, conheço mais ainda essa realidade. Tenho, assim, um enorme respeito, sobretudo pelas mães das crianças que têm deficiência e nós precisamos reduzir os preconceitos, a segregação…

O sr. é a favor da inclusão, na mesma escola?
Da inclusão, da inclusão delas. E, claro, essas crianças precisam de, além da inclusão na escola, elas precisam de mais coisa. Elas precisam de foco, precisam de terapeuta ocupacional, de outro apoio muito mais complexo do que uma criança completamente sadia.

O sr. já se declarou contra a redução da maioridade penal, que é de 18 anos no Brasil. Como resolver os casos de menores de 18 anos que cometem crimes de maneira continuada e que não podem ser detidos e punidos como adultos pelo sistema que temos hoje?
Na verdade, esse debate é complexo, porque ele envolve a situação de medo em que as pessoas estão. Então todo mundo quer uma saída mágica, acha que reduzir idade penal resolve. 90% da população é favorável. Como eu estudei muito esse tema, Pernambuco tinha a capital mais violenta do país e hoje tem a capital mais tranquila do Nordeste brasileiro, nós temos um pacto pela vida que é uma política de êxito, eu estudei esse tema, ouvi especialistas, e me aprofundei muito nele. E acho que o Brasil precisa, o governo brasileiro precisa assumir a causa da segurança, que não assumiu até a data de hoje. E esse tema das crianças e adolescentes eu acho que a gente tem como resolver, compreendendo que, se fosse a idade penal, a gente não tinha ninguém com mais de 18 anos cometendo crime. Estava resolvido por uma lei. O que nós precisamos é aumentar o tempo de internamento das crianças e adolescentes que cometem esse tipo de infração, de conflito com a lei continuado, porque eles precisam sim ficar mais tempo internado para se recuperar, se tentarmos recuperá-los, tentarmos refazer o projeto de vida desses adolescentes. Eu acho que a gente precisa ter clareza que o número de adolescentes e crianças em conflito com a lei é um número muito pequeno. O que acontece é que na maioria das vezes não há uma coordenação entre prefeituras, para fazer a ação de acompanhamento desses jovens, de voltar aos laços familiares, de voltar à escola, como é uma coisa muito trabalhosa, termina os municípios não cumprindo para fazer a LA, a liberdade assistida, que os juízes tanto tentam. Como não tem a estrutura para fazer a liberdade assistida, o que que acontece? O que seria colocar dois monitores para cada grupo de quatro jovens desses, para acompanhar o dia-a-dia deles? Como não tem, o juiz termina internando. Eles são internados nessas fundações, tipo Fundação Casa, termina fazendo curso, se especializando na criminalidade. Se colocarmos um foco no número dessas crianças e na vida delas, nós podemos resgatar muitas e evitar muitas que elas partam para crimes como assalto, homicídio, coisas assim.

O sr. mencionou que essas crianças que cometem os delitos continuadamente precisariam ficar talvez mais tempo internadas. Por outro lado, tem a liberdade assistida, que não é cumprida, daí acabam ficando mais tempo internadas porque o juiz manda para essas fundações. Como é que resolve?
Resolve a gente botando luz sobre esse problema. Você sabe quanto… Nós precisávamos ter um portal no Brasil que mostrasse quantas crianças deveriam estar em liberdade assistida em cada capital dessas, em cada cidade com [mais de] 500 mil habitantes. Ter o ranking das prefeituras…

Mas isso é o governo federal que precisa fazer ou é a prefeitura e o governo estadual?
São todos, porque senão fica um jogando a culpa no outro, e depois ficam dizendo à sociedade que resolve com a lei…

O sr. acha que o governo federal deveria assumir isso?
… Aí vai dizer que resolve com uma lei. Se uma lei resolvesse, era muito simples, manda a lei, pede para os deputados e senadores votarem, estava resolvido, [reduzindo para] 16 anos. É claro que não resolve com a lei. Resolve com o trabalho, a gente tem que ter escola para essas crianças estarem.

Mas como é que o governo federal atuaria nesse caso? Porque não é sua atribuição.
Tem que atuar como… Não é sua atribuição e é também, né. Esse é um desafio nacional, é um problema. Como é que a gente resolve? Uma parte a gente resolve com escola integra. Eu fiz em Pernambuco a maior rede de escola integral no ensino médio. Você sabe que a metade dos jovens que deveriam estar no ensino médio, inclusive aí estão os adolescentes, eles nem estão na escola nem estão trabalhando. É a geração “nem-nem”. Nós construímos a maior rede de escola integral em tempo integral no ensino médio do Brasil. Tem em Pernambuco, um Estado pobre do Nordeste, mais aluno em ensino médio integral do que São Paulo, Rio e Minas juntos. Juntos. Nós precisamos ter mais escola integral no ensino médio para que os jovens passem o dia na escola, três refeições, atividades, e com isso a gente vai ter a condição de muitas mães e pais que trabalham não verem seus filhos serem perdidos para o tráfico. Temos que ter foco nos que já foram, para ter cuidado com os que estão com dependência química, ter LA para salvar essas crianças. Muitas vezes a criança tinha uma dependência do crack, fez um roubo, tomou um celular ou coisa do gênero. Se ele não é cuidado, ele vai para uma Fundação Casa, lá ele se junta com outros e já faz assalto a banco. Daqui a pouco ele já está matando gente. Aí daqui a pouco você tem que ter um nível de internamento diferente do que era antes.

A intervenção do governo federal nesses casos seria qual, de coordenar um programa nacional dessa ordem?
O governo federal precisa entrar na construção de um sistema único de segurança pública. O governo federal não pode ficar omisso, como se encontra. Hoje você tem um problema, todo mundo sabe que um grave problema da segurança é droga. A quem é que cabe tomar conta das fronteiras? À União. Qual é a droga que está pegando, destruindo vidas aí? É o crack. Ele vem de quê? Da cocaína. Da onde vem a cocaína? Todo mundo sabe. Como é que está a nossa Polícia Federal, que deveria tomar conta das fronteiras? Está passando por uma severa crise, tem 3 mil homens e mulheres a menos do que tinha há 4 anos atrás na Polícia Federal. As nossas fronteiras estão desguarnecidas. Como é que a União não tem nada a ver com isso? Tem tudo a ver com isso.

Aproveitando, sobre drogas. O sr. acha que o Brasil deveria, como alguns países já fizeram, descriminalizar certas drogas, como por exemplo a maconha?
Não.

Por quê?
Porque nós vivemos uma crise muito severa nessa questão da droga, que tem tudo a ver com a questão da violência, hoje. E neste ambiente o que nós precisamos efetivamente é fazer um enfrentamento ao tráfico, precisamos cuidar dos dependentes químicos, que é algo onde o Brasil está super…

Mas uma droga como a maconha para muitos nem produz dependência química nenhuma.
Nós precisamos neste instante não é fazer esse debate, no meu entender. O debate que nós precisamos neste instante fazer é focar o combate ao tráfico e, no tráfico, sobretudo, do crack, que é a droga que está arrasando, exterminando, a vida de muitas famílias Brasil afora.

O Brasil tem mais de mais de meio milhão de presos hoje, no seu sistema prisional. São 548 mil aproximadamente, um número que sempre muda um pouco. Cerca de um quarto desses presos são pessoas que foram apanhadas com pequenas quantidades de drogas. Maconha, alguma coisa assim. Estão lá presos, um quarto. Mais de 100 mil pessoas. É boa essa política, de prender essas pessoas e mandar para a prisão, porque estavam ali com um pouquinho de maconha?
Quem nós temos que botar na prisão são os grandes traficantes, não são os usuários.

Pois é, mas o sistema permite que se faça isso.
Mas hoje o que nós precisamos, no Brasil, é compreender que há um processo de prender mal e julgar lento. O que termina tendo dois terços dos presos brasileiros em muito Estados que estão aguardando o seu julgamento. Então nós precisamos ter foco para a pena de prisão, as penas alternativas estão aí como solução para uma série de crimes. Nós precisamos priorizar a pena de prisão para quem comete crimes contra a vida, crimes contra a mulher, crimes contra a criança, quem estupra, quem efetivamente corrompe. Esse é o foco que deveríamos ter, que infelizmente não é.

Pois é, mas veja esse número que eu citei para o sr. São 548 mil presos, eu estou vendo aqui. Cerca de 25% deles são pessoas apanhadas com pequenas quantidades de algum tipo de droga. E que foram considerados, de acordo com a nossa atual legislação, traficantes. Foram condenados e estão cumprindo pena. Tem que mudar essa legislação?
Uma coisa é o traficante. O traficante precisa estar preso mesmo, o traficante é para ser preso, é para ser combatido. Outra coisa é um usuário, é um jovem da periferia…

Mas e essa pessoa que não é nem traficante nem usuário, estava carregando ali…
…que precisa de um tratamento, que às vezes precisa de uma qualificação profissional, de uma assistência psicológica. Que pode até cumprir uma pena alternativa, trabalhar um mês numa escola, num posto de saúde, num trabalho comunitário, numa creche, num abrigo de idosos, que é muito melhor para a vida dele e para a comunidade do que estar num presídio, custando ao Estado e aprendendo o que não deveria estar aprendendo.

Mas o sr. há de convir que há traficantes grandes, que controlam tudo, e o pequeno traficante, que é um sujeito que precisa trabalhar, às vezes numa comunidade carente, pobre, e acaba levando uma droga daqui pra lá, não é uma pessoa que move quantias de dinheiro, enfim, é uma pessoa, um pária da sociedade. Ele é condenado e vai para a prisão do mesmo jeito. Não haveria a necessidade de distinguir entre um e outro, grande e pequeno?
Essa é uma distinção que cabe ao juiz fazer…

Mas do jeito que a legislação é hoje…
… E também às vezes não é tão neutro assim. Um traficante desses é uma pessoa que numa favela, num bairro pobre, ou num bairro de classe média ou até rico, ele, com seu ofício, pode ter arrasado a vida de muitas crianças oferecendo uma pedrinha de crack, transformando aquele cidadão num dependente químico, depois ele, com medo de não poder pagar a droga, pegou um revólver, matou alguém, roubou uma senhora, matou um jovem, um pai de família, então as coisas não são tão pueris assim como muitas vezes parece, não.

O sr. tem 48 anos. Já consumiu algum tipo de droga considerada ilícita no Brasil?
Não. Sempre fiz esporte, sempre tive uma vida muito saudável.

Na sua juventude, conviveu com pessoas que eventualmente acabaram indo para a área do consumo de drogas?
Sim, eu conheci pessoas que terminaram que tiveram problemas com drogas, sim.

E acha que, em resumo, a legislação que temos hoje é adequada, pelo que estou entendendo.
Eu acho que a legislação pode até ser discutida, não me oponho a discutir. Mas esse não é um assunto central do Brasil. O assunto central do Brasil, em questão de droga hoje, é fechar nossas fronteiras, combater o crack, botar os grandes traficantes na cadeira, isso só vai ser feito se a União entrar pesado na questão da segurança pública, se a gente prestigiar a Polícia Federal, aumentar o efetivo da Polícia Federal e der conta da nossa missão. A gente não pode aliviar no debate da droga neste instante no Brasil, porque tem muito da insegurança, tem tudo a ver com a questão da droga.

Uma outra pergunta de caráter de costumes e comportamental. O sr. é a favor de haver uma regulação no Brasil a respeito da eutanásia?
Sinceramente, Fernando, eu nunca tive oportunidade de debater este tema. Mas me proponho a ouvir opiniões e tal e discutir, mas eu nunca…

Mas não tem posição formada?
Não, nunca tratei desse tema.

Ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, pré-candidato a presidente da República pelo PSB, muito obrigado por sua entrevista à Folha e ao UOL.

Deixe um comentário